terça-feira, janeiro 17, 2006

Pharmácia


Quando saia de casa hoje pela manhã ouvi de relance que hoje era dia do farmacêutico. Apesar de não conseguir confirmar a veracidade da informação, não me sai da cabeça a lembrança do Seu Valdemar (ou Waldemar, o que não faz - hoje em dia - a menor diferença).
O Seu Valdemar era o dono da farmácia que minha vó me levava quando era pequeno. Sabe aquelas farmácias de bairro, com prateleiras de madeira, cheiro de álcool, monte de caixinhas que tinha uma ordem que somente o Seu Valdemar sabia qual era - nada de ordem alfabética ou qualquer outra comum, era a ordem dele, que ele entendia e pronto.
Lembro que a farmácia do Seu Valdemar era azul e, em verdade, o tal monte de caixinhas de remédios não era assim tão grande. O motivo era pq o Seu Valdemar não era de ficar mudando o remédio não, dor de cabeça era um, febre era outro, dor de garganta aquele outro e assim por diante, para cada sintoma, um remédio.
- Mas Seu Valdemar, o médico pediu para dar esse aqui...
Ele nem deixava terminar a frase: para o Seu Valdemar, médico entende de saber qual era a doença, de curar a dita cuja quem entendia era ele.
Obviamente exageros à parte, Seu Valdemar era aquele farmacêutico que atendia no lugar do médico (um erro brutal, viu crianças, não façam isso em casa). Claro que com toda responsabilidade que lhe caia sobre os ombros finos, costas magras e a careca, quando via que a coisa era mais séria, não titubeava em falar que era bom ir até o pronto-socorro.
Mas é aí que entrava a diferença do Seu Valdemar. Ele manda ir até o médico, mas fazia questão de saber, em seguida, o que era que a gente tinha.
Para começar a história, ele tinha uma caderneta com nomes e telefones de todos seus clientes. E como todos os seus clientes eram da região, o que o velho Valdemar tinha era a lista telefônica do bairro.
Não posso confirmar, mas não duvido que muita gente não ligasse pra ele para pedir o telefone de outra pessoa. Ou seja, além de farmacêutico, Seu Valdemar era relações públicas e dos bons.
Se o enfermo não podia ir até a Pharmácia, não tinha a menor importância, ou ia alguém que pudesse descrever os sintomas ou, não raramente, ia o bom Valdemar até a casa dele. E sabem o que era pior: na maleta ele levava exatamente o remédio que precisava para curar a doença.
Agora pergunto, como é que ele sabia o que é que o moribundo tinha? No máximo era um telefonema da avó, da tia ou de alguém dizendo: Seu Valdemar, o Jr. tá de cama, ardendo em febre, num para de tossir, tosse pesada, respiração dura... E lá ia ele com xarope e mais umas coisinhas que faziam o Jr. estar, em 48h, jogando bola na rua.
Acho que aí é que está a grande diferença. Na época do Seu Valdemar, se jogava bola na rua, as doenças eram mais simples, não tinha Aquilite tipo A, B, C1, C2, D e F; quando uma criança ficava com febre ele já sabia que com muita probabilidade outras iriam ficar e reforçava o estoque de antitérmico e também do antibiótico e do que mais fosse preciso.
Conforme a gente foi crescendo, igualmente foram crescendo as preocupações do Seu Valdemar: Ah essa meninada, tá aprontando...
Há alguns anos me lembro de ter passado na rua aonde ficava a Pharmácia e ver, não sem uma dor no coração, que ela ainda existia, mas já era Drogaria e tinha uma marca - muito boa, sem sombra de dúvidas, mas com absoluta certeza, já sem o Seu Valdemar.
É o ponto era bom, tão bom que até hoje existe.
Não resisti, deu uma parada. Diferentemente do Seu Valdemar que vinha receber eu e minha avó com um grande sorriso, ninguém quis me dar boa tarde. Peguei, eu mesmo, um colírio e fui ao caixa.
Ah, se fosse Seu Valdemar, ia olhar meu olho, dizer que nada de colírio, bastava compressa de água boricada.
Quem sabe o velho Valdemar ainda não esteja "trabalhando" na sua Pharmácia, hoje Drogaria e "orientando" os clientes, principalmente os que um dia passaram por suas mãos.
Deve até ser, pq não consegui comprar o tal colírio, mas sim um vidro sem marca de água boricada e um pacote de algodão para as compressas - se bem que não tinha nada nos olhos, a não ser algumas lágrimas.