sexta-feira, janeiro 27, 2006

Sol e Sombra


No mínimo paradoxal a relação entre o sol e a sombra. Opostos perfeitos em seu mais íntimo, luz e escuridão, clareza e obscuridão; um não vive - ou até melhor - um não existe sem o outro.
Se não for o sol deitar suas bênçãos sobre um corpo, a sombra não existe. E assim, o sol toca o corpo e, do outro lado, exatamente do lado oposto, a sombra caminha do corpo.
Nesse sentido, o corpo é obstáculo à continuidade do raio do sol, mas é também o princípio de formação da sombra.
Sempre achei a sombra uma injustiçada. Biólogos, teólogos e ogos de uma forma geral classificam o corpo humano em cabeça, tronco e membros. E a sombra? Sombra é tão essencial que você pode tirar uma série de órgãos do seu corpo que ele acaba sobrevivendo. A sombra, meu caro, minha cara, isso ninguém tira.
Nada me tira da cabeça que o medo que muitos tem da escuridão é motivada simplesmente pelo fato de não se poder ver a sombra sem o foco de luz - e sem a sombra, será que a gente está lá? será que ainda existimos?
Na dúvida é melhor acender a luz.
"Ah, aqui está você sombra. Onde esteve? Por qual paragens andou, livre de meu corpo, enquanto não tinha a corrente da luz a te segurar? Que terras conheceu? Que vinhos bebeu?
Tens algo para contar?
Ah, esqueci, és silenciosa. Quieta como toda sombra deve ser. Reservas a ti o direito de ouvir tudo, saber tudo; até mesmo o que eu próprio não sei. Mas não me contas, ingrata. Não me avisas dos perigos, dos maledicentes, dos impecilhos do caminho. Ignoras este que carrega teu peso.
Ah, é verdade, não tens peso. És leve como a luz que te cria, etérea toda sombra deve ser. Será que sentes a dor de meu corpo quando ele se cansa? Não sei, pelo menos se curva com ele. Será que entendes a angústia de minha alma? Duvido, não interessa como esteja, lá está você, bruxuleando a meu lado.
Ah pobre sombra. Será que sentes ciúmes quando me escondo em outras sombras a me esconder de meus algozes? Será que sentes orgulho quando te engrandeço a fim de provocar o temor em meus inimigos? Será que te envergonhas quando choro?
Ah nobre sombra. Sempre cinza. Te importas de não resplancer em tua forma a cor do ouro de minha capa? Provavelmente não. Acredito até que gostas da inveja que causa aos paladinos que, vestindo-se de preto, te imitam esqueirando-se pelas vielas na busca de donzelas a salvar.
És ingrata sombra. A vida inteira te levei, mas acalma-te, há de chegar o dia em que, livre da prisão de meu corpo, serás livre para voar, para passear, para flutuar e nesse dia, quem dera, poderei estar a teu lado, sem te oclusar, mas a te acompanhar em agradecimento pela companhia que me fizeste nesta vida"