segunda-feira, maio 22, 2006

Coisas de pai e filha


Aviso: não deixem seu filho ler este texto.

Vira e mexe leio em algum lugar que as crianças de hoje em dia conseguem dar nó em pingo d'água. Sem querer parecer pai-coruja as minhas conseguem dar nó de marinheiro, daqueles que a gente não desata nem com reza braba, sabem qual é?
Não sei se as crianças de hoje em dia estão mais espertas, mais safadas ou o que; sei que estão sim mais informadas, mais questionadoras, mais rápidas, mais.... sei lá, sei que eu me achava razoavelmente esperto na minha infância e, perto das crianças que vejo por aí, admito: era um completo babaca - pior, ainda sou, pois as crianças de hoje me deixam completamente desarmado.
Dia desses chamei minha filha do meio, com todos seus 10 anos recém completos (ou como ela mesma insiste em dizer: uma década toda de vida, todinha), para dar uma bronca de pai.
Para quem não sabe como é uma bronca de pai para com sua filha é aquela que entra em cena somente quando a conversa de mãe não resolve. Na bronca de pai há sempre o risco de um tapa nos glúteos, de um olhar com cara de efetivamente nervoso. Não há o grito da mãe, o olhar de gelo que somente uma mulher consegue desferir. Há a respiração mais profunda, os olhos mais avermelhados. Pai conversa sentado, mãe de pé. Pai quando levanta o filho fecha o olho que sabe que vai apanhar, mãe quando senta é para chorar e sensibilizar o rebento.
Devidamente explicado, chamei a dita cuja para a bronca de pai no pior lugar possível para ela recebê-la: o quarto do pai.
Se fosse na sala era mais leve; no quarto dela, algo grave. Mas, no quarto do pai, a coisa é realmente feia. E com a cereja do chantilly da crueldade: porta fechada.
A bronca começa com uma rápida (pai não enrola, vai direto ao ponto; a contextualização já foi feita pela mãe anteriormente) exposição do fato em questão e, sem absolutamente mais delongas, a pergunta: o que significa isso?
Para essa pergunta, desde quando meu avô era criança, nunca teve e nunca terá resposta. Se não tem quando a gente é adulto, crescido, imagina quando se é criança.
Depois de longos sete segundos (todo o tempo que a paciência do pai espera), começa a recriminação, a esculhambação, a chamada à responsabilidade, o exemplo que deve ser dado aos irmãos e a próxima pergunta, tão irrespondível quanto a primeira: o que é que você está querendo com isso?
Novo silêncio, apenas rompido pelo choro que começa a irromper. Um choro não comovido, não de arrependimento, não de nada a não ser uma arma fatal, mortal, cruel usada pelas mulheres (de absolutamente qualquer idade, bem entendido) contra os homens.
Você, pai, tenta não se abalar com o golpe do choro e continua, dessa vez mostrando para sua filha o que ela pode ser na vida, o que ela vai perder se continuar daquela forma, como será trágica sua existência e termina com a terceira pergunta que, em sua pobre mente de pai, você acha que será esmagadora e que a partir daquele segundo sua filha mudará completamente e nunca mais fará nada que o desagradará: me conta, o que é que você quer ser na vida?
Pois é, foi justamente nessa hora, quando eu já emendava a continuidade da bronca de pai (parte na qual são descritos em minuciosos e cruéis detalhes o castigo que será imposto à meliante) que ela olhou diretamente nos meus olhos e desferiu sua resposta:
- Quero ser igual a você pai.... quero se tudo que você é.
Permitam-me leitores dar um salto no tempo, guardando para a parte mais cândida de minha memórias os minutos seguintes a esta frase.
Permitam-me guardar apenas em meus olhos, coração e alma o que aconteceu naquele quarto com portas fechadas.
Permitam-me contar, apenas, muito apenas, que algum tempo depois, quando a mãe entrou no quarto, já preocupada pelo tempo em que pai e filha estavam em uma conversa, na qual - teoricamente - a bronca era pesada e viu os dois deitados, abraçadinhos, assistindo a um desenho, não entendeu absolutamente nada.
Nem nunca vai. Coisa de pai e filha. Mais ninguém, mais nada.