quinta-feira, junho 01, 2006

Viver em condomínio - 2

ainda no condomínio...

Contudo, algumas coisas realmente exigem a presença do dono da casa. Um acabamento da pintura, uma refação (ou como diz o pintor da obra, refazimento), um detalhe que se você não estiver presente, esquece: jamais vai ficar certo.
Nesse dia, nesse fatídico dia, você conseguiu - sabe-se Deus como - que teu chefe deixasse você ir para casa (claro que você mal sabe o que te espera no dia seguinte... já ouviu falar do 32WK, o relatório assassino? pois bem, vai ouvir....) e logo entende que seu dia não vai ser, assim... como dizer.... exatamente calmo.
Você chega no prédio, entra na garagem e passa na portaria para avisar o porteiro que vão chegar os rapazes da pintura com muito material e se ele pode colocar a proteção no elevador.

- Seu Asdibardo? É o sinhô mesmo?
- Olá Carmelo. Sou, pq?
- Vixi fiôdideus, foi mandado imbora du imprego...
- Vira essa boca pra lá, Carmelo. Só estou aqui para acompanhar o final da reforma. Acho que esse martírio acaba hoje. Olha, eles devem chegar a qualquer momento e precisa...
- Devi não seu Asdibardo, jé tão lá in cima.
- Como? Já chegaram?
- Chegaru sinsinhô. Ah, e a Dna. Creusa que falá cu sinhô que eles mancharu o elevadô cum as tinta.
- Você não colocou a proteção Carmelo?
- Num mi avisaru qui pricisava...
- Tá bom, Carmelo, deixa eu ir lá em cima e depois resolvo isso.

Claro que quando você chega no seu apartamento, a primeira impressão (que, conforme o ditado, é a que fica) é a de um total desastre. Seu apartamento que estava já algo arrumado, que quando você saiu de manhã estava razoavelmente habitável, se (re)transformou em um campo de batalha medieval.
Um homem, que você nunca viu antes, com uma camiseta sem mangas e uma tatuagem que começa no pescoço e termina.... bem, você não tem e nem quer ter idéia de onde termina, olha para você e vocifera
- Viemos todos juntos para dar o rapa final.

Por puro instinto (que alguns chamariam de desespero) você faz um movimento de levantar as mãos, abrir a carteira, dizer que levem tudo mas não te machuquem, mas percebe antes e acha melhor dar uma chance à turba - uma última chance, para o tal do rapa final.

O problema é você saber o que você está fazendo ali.
Na verdade aquele detalhe da parede era em branco, mas e a coragem para chegar o estivador que está com a brocha na mão e dizer que ele está fazendo em azul.... pensando bem, um detalhe colorido no canto da sala de jantar, principalmente em azul, fica tão bom... tão pós-moderno, não é mesmo.

Na verdade, o fio do telefone tinha que ir atrás da estante dos cds, mas o tamanho da marreta que o moço está brandindo na mísera tachinha te convence que a posição dele está absolutamente correta.

Já na cozinha, você tinha imaginado um furinho para pendurar um ganchinho, mas diante da bitola da broca do rapaz (que você pode jurar que está falando sozinho em algum idioma da antiga bretanha) te dá uma nova inspiração de tudo o que pode ser pendurado na cozinha.

Daí acontece o pior. São exatamente 15h44, ou seja, absolutamente dentro do período cabível para a realização de atividades e toca o interfone - sabe-se Deus como você conseguiu ouvir naquela balbúrdia, mas já que ouviu, né, melhor atender.

- Seu Asdibardo?
- Fala Carmelo.
- A Dna Ansíra tá recramando do baruio.
- Que?
- A Dna Ansíra.
- Quem?
- A muié do seu Romuvaldo, que mora dibáxo do sinhô.
- Ah, a dona Alzira, esposa do Romualdo. Que tem?
- Tá recramando do baruio.
- Olha Carmelo, fala para a dona Alzira que eu sinto muito, que ela tenha um pouco de paciência, mas que estamos andando com a reforma. Se ela tiver um mínimo de compreensão, terminamos isso ainda hoje. E, para falar a verdade, são três e meia e estamos dentro do horário cabível para as atividades.
- Que qui cabe onde, seu Asdibardo?
- Horário, Carmelo, estamos dentro do horário.
- Ah, isso é verdade. Tão fora não.
- Então?
- É, intão tão fora não.
- Carmelo, fala para a dona Alzira que sei que estamos fazendo barulho, que ela nos perdoe, mas vamos acabar logo com isso.
- Tá bão.

Dez minutos

- Seu Asdibardo?
- Diz Carmelo.
- A Dna Ansíra tá recramando do baruio.
- Mas como?
- Ela disse que o seu Romuvaldo tá discansando, que trabaiô até di tarde onte e tá pricisando durmi e o bauio fica acordando ele. Disse que é pra pará.
- Carmelo, transfere a ligação para o apartamento dela.
- Posso não, seu Asdibardo. Ela falô qui o seu Romuvaldo tá discansando e num qué disê incomodada.

Duas horas e quatro interfonadas depois o tatuado lembra que eu existo, disfarçado de estátua de cal em um canto da área de serviço e diz que 99% de tudo tá prontinho.
- Amanhã voltamos para dar cabo do pouquinho que ficou.
Na dúvida se era uma explicação ou uma ameaça, apenas balancei a cabeça e eles foram, prometendo que amanhã voltam para "dar cabo do que restou"....ainda bem que é só um pouquinho.

De noite, chega minha esposa, comento do tatuado e ela, com a maior cara deslavada:
- Ah, o Bruno, ele não uma graça? Um doce de pessoa, não é? Dá para alguém ser mais simpático?

... ainda bem que falta só um pouquinho...

Sérgio Lapastina está em http.... opa, espera, interfone.

- Seu Asdibardo?
- Que é Carmelo?
- A Dna Creusa qué sabê cumé que vai arrumá o elevadô que ficô sujo di tinta.
- Fala para a dona Cleusa falar com o Bruninho!
- Cum quem?
- Com o Bruninho, Carmelo, o docinho, o gracinha...
- Vixi seu Asdibardo, o sinhô tá passando bem?