sexta-feira, julho 21, 2006

A odisséia do sofá - 4


E chega o grande momento. Você finalmente escolheu a loja, o modelo, o tecido. Você vai fechar a compra do sofá.
Sei que a maioria dos leitores está emocionada com o fato, tenham absoluta certeza que muito mais fiquei eu ao preencher os cheques.
Após a verdadeira batalha campal que foi a decisão de todos os itens anteriores, depois que tudo estava certo, como por milagre, todos os envolvidos, menos eu e um homem que se identificou como gerente de plantão da loja, sumiram. Provavelmente algum buraco negro se abriu ou algum portal para outro universo, não sei. O que sei é que na hora que o vendedor ouviu a frase: ok, ficamos com esse... esse abriu um sorriso, fez um sinal para o tal gerente de plantão e sumiu.
Com ele, minha esposa e toda sua comitiva feminina. Tudo pq estava na hora de pagar o sofá. Finalmente havia descoberto o real motivo de minha presença no processo.

O tal gerente de plantão, com olhar de um buldogue insensivelmente raivoso...
Sim, minha senhora eu sei que raiva é uma sensação e que é humanamente impossível fazer cara de raiva de forma insensível. Tanto sei que a primeira coisa que fiz foi qualificar aquele ser como buldogue, obviamente sem nenhuma ofensa ao cão.
Sabe como é um olhar que, mesmo não transmitindo absolutamente nenhuma expressão te dá um calafrio na nuca? Uma boca reta, rigorosamente contrastante com o sorriso do vendedor. Pois é. era algo assim que estava na minha frente. A figura mais alegremente parecida que veio à minha memória foi o mordomo da Família Adams, o Tropeço.
Continuo.

O tal gerente, que apenas pelo gesto do vendedor sabia que mais um trouxa havia caído em sua lábia - no caso: eu - parece que estava acompanhando todo o processo por alguma câmera escondida. Ele sabia exatamente tudo o que eu tinha comprado (ah, eu ter comprado é pura força de expressão... que eu estava ali para pagar, expressa melhor meu ato). Sua voz, uma verdadeira lança de gelo, fez-se ouvir
- O senhor gostaria de parcelar o pagamento?

Na verdade eu gostaria de dar o fora dali o mais rapidamente possível. Nessa hora a gente sempre pensa que pode dar uma de esperto, que pode tirar uma vantagem: ledo engano. Tudo o que conseguimos é tirar mais uma folha do talão de cheques.
- Não sei. Se você fizer um bom desconto, posso até pensar em pagar à vista.

Crente que minha jogada tinha sido um golpe de mestre...
- O preço fornecido pelo vendedor, representa o custo do produto à vista. Nossa loja, em respeito ao cliente, oferece o parcelamento em três vezes sem juros. Acima dessa quantidade, se o senhor puder dispor de uma entrada, aceitamos o parcelamento em até 10 vezes.

O restante do discurso foi uma verdadeira aula de matemática financeira. Percentuais, cálculos exponenciais, tive a nítida impressão que ele até fez uma conta de raiz quadrada de cabeça, mas prefiro não afirmar com tanta ênfase... vai que ele tinha uma calculadora embutida no dente...

Sei que, ao final ele tinha me provado, com todas as letras, que o preço a vista em três vezes era mais caro que o preço a prazo em cinco vezes com juros.
Se bem que não sei o que foi pior: ele ter me provado ou eu ter acreditado...
Mas, ainda me restava uma carta na manga.
- Ok, entendi (mentira da grossa), mas gostaria de insistir. Se eu fizer o pagamento à vista, não seria possível me dar um desconto maior? Afinal de contas, você pode ver que nossa compra foi substancial e ainda temos outros produtos que podem entrar na lista e, conforme for, a gente pode voltar e... sabe, não é?

O gerente de plantão, sem expressar a mínima alteração em seu olhar ou respiração, fez uma pausa de alguns segundos. Tempo o suficiente para eu achar que tinha ganho o jogo e respondeu.
- Vejo que o senhor é um negociador.

Ah, há... tinha ganho o dia.
- Chego mesmo a acreditar que estaria disposto a emitir o pagamento à vista, se lhe fosse dado um desconto.

Quem é que mexe com o papai aqui? Quem?
- Contudo, a consulta realizada no banco em que o senhor mantém conta, demonstra a impossibilidade de que venha a arcar com esta quantia de forma imediata. Portanto, creio que o melhor seja fecharmos o pagamento em 5 parcelas, com a taxa de juros já explicitada.

..........
- Em nome de quem emitimos as notas promissórias?
- Asderbaldo.....
Ia emendar um seu criado, mas a voz embargou. Apenas tive forças para lhe dar os documentos necessários para o assassin... preenchimento das notas.

Notas preenchidas, cheques preenchidos, alma despedaçada, minha esposa volta - com a comitiva, devidamente acompanhada pelo risonho vendedor.

- Posso saber aonde a madame estava?
- Mamãe queria ver uns modelos de cortinas e...
- Custava ter ficado aqui e me ajudado a negociar o preço?
- Como te ajudar? Você sempre fala que eu sou mão aberta, que não sirvo para fazer compras, que todo mundo me engambela... ia fazer o que aqui? Deu algum problema?
- Não, problema nenhum. Podemos ir pra casa?
- Ai, Asderbaldo, como você está azedo!

Azedo.... eu não sabia o que era estar azedo... até o dia em que finalmente, entregaram o sofá.