sexta-feira, novembro 10, 2006

E não é que estava mesmo lá?


Hoje é dia de Confraria de Crônicas, Contos e Causos do Cotidiano

E não é que estava mesmo lá? - Sérgio Lapastina

Trabalhar em comunicação se assemelha a uma religião: demandam fé.
E fé é uma coisa que não se explica: ou se tem ou não tem. Ponto final.
Mas, onde é que a gente guarda a fé? Ou até melhor, aonde é que a gente deposita a fé? Sim pq fé não se produz, se usa e a gente só usa o que tem.
O mais engraçado é que esse tipo de coisa, meio imaterial, somente sensível, sem comprovação é algo que vira e mexe a gente duvida que tem, duvida que é capaz, duvida que "ainda tenha no estoque". E, para piorar, somente vai descobrir se tem ou não tem quando precisar.

Não sei se foi por necessidade ou por que foi, mas minha vida inteira tem sido um constante apostar que nesse "estoque" de fé, ainda tem um pouquinho - ou vez por outra, um tantinho.
É preciso que acreditemos em algo - a velha é boa fé, que move a religião e a comunicação. Eu sempre acreditei que tinha capacidade para acreditar que era possível, que é possível que vai ser possível.
Ou como diz meu grande amigo Décio, as coisas acabam dando certo, seja com mais ou com menos stress, dão certo.,.... tudo bem, mas para cada cem coisas com mais stress, bem que podia vir uma sem stress... ô vida...
Ou como dizia o velho caipira, ô mundão velho sem fronteira, onde minha vida caminha pelas estradas, onde meu amor reflete cada gota de chuva, onde minha esperança se vai em cada nuvem; ô mundão velho sem fronteira, sem porteira, deixa eu caminhar sem destino, apenas acreditando que um dia chego lá em casa e posso, mais uma vez, fechar os olhos e descansar.

Essa é a essência da fé, da esperança, acreditar que quando tudo está perdido, que não tem mais jeito não, a gente tira - sabe-se não de onde - um restinho de força e vence o jogo.
É nessas horas, cansados do caminho, feridos pela luta, com o corpo e a alma cansados, mas sabendo que chegamos em casa para descansar que devemos olhar para dentro de noss'alma e nos surpreender.
Surpreender pois foi justamente dali, de onde achamos que não seria possível tirar mais nada, que saiu a força para a vitória.
Foi de lá, de onde a gente pensou que estava esgotado, que floresceu a certeza de que era possível.
Foi de lá, de onde sabíamos que lá estaria, mas por um segundo, menos que isso, chegamos a duvidar.
Nesse microssegundo, em que fechamos os olhos e perguntamos de onde é que iríamos tirar as forças...
Nesse mesmo instante, em que a gente não mais acreditou é que nos foi mostrado que ainda tínhamos tudo para superar e vencer.
E hoje, tudo que nos resta é sorrir, olhar para o coração e dizer: e não que estava mesmo lá?
Sempre esteve.
Sempre estará.
Basta acreditar.




E não é que estava mesmo lá? - Carlos Manfredini

A semana que passou foi especial para muitas pessoas, em particular para os esotéricos, místicos, feiticeiros e que tais.
Dois de novembro é dedicado aos mortos, dia 1o a todos os santos e 31 de outubro foi o dia das bruxas.
Não sei se todos sabem, mas nessa última data, no município de São Paulo, comemora-se o dia do Saci.
Esse singular representante do nosso folclore é um negrinho que habita as matas, caminha pulando numa banda só, pita um cachimbo que permanece sempre aceso e porta um barrete vermelho que não lhe cai da cabeça, fonte de seus poderes, lhe conferindo inclusive a capacidade de ficar invisível.
Dizem que ele não chega a ser mau, embora pratique diversas malvadezas, todas elas destinadas mais a assustar e apoquentar a vida das pessoas, do que realmente prejudicá-las, embora isso possa acabar acontecendo.
Segundo Monteiro Lobato esse ser nasce na floresta, num local constituído de bambuzais, conhecido como "sacizeiros", donde só sairá quando completar 7 anos, vivendo até os 77.
Suas áreas de atuação preferidas são as estradas, os caminhos mais ermos que ligam povoados interioranos, fazendas e sítios, perseguindo os incautos viajantes, armando-lhes diversas ciladas.
Gosta, também, de adentrar as casas para aprontar travessuras, emitindo ruídos.
Já no pasto se delicia assuntando bois e outros animais, mas o que adora mesmo é trançar as crinas dos cavalos para depois montá-los em disparada campo afora.
Contudo, sua mania de atazanar os outros, escondendo objetos domésticos que dificilmente são encontrados é o que mais incomoda os caboclos, uma vez que em seus humildes lares, normalmente, há escassez de utensílios essenciais e qualquer um deles que desapareça faz bastante falta.
Por esse motivo, em suas crendices, a gente simples do interior desenvolveu os mais diversos rituais e práticas para poder recuperar suas coisas surrupiadas pela entidade travessa.
Minha avó paterna, embora não morando na roça, era "useira e viseira" na arte de contar histórias de "assombrações" ocorridas por aquelas bandas.
Lembro com saudades desse meu tempo de menino.
Ela, após terminar de preparar o jantar e enquanto aguardava os filhos retornarem do trabalho para dar início a refeição em família, sentava-se numa cadeirinha – sempre a mesma – eu e quem mais estivesse presente rapidamente nos acercávamos dela, pois certamente lá vinha mais um "causo", narrado com suspense e competência.
Mas, o fato que vou relatar a vocês, embora bastante interessante por envolver o personagem descrito acima e seu costume de dar sumiço em tudo, não foi ouvido de minha encanecida avozinha, este foi presenciado por mim e para sua melhor compreensão faço breve retrospectiva.
Meu falecido avô deixou como única herança um relógio patacão de algibeira e como os filhos eram muitos, embora todos adultos, nenhum deles ousava carregá-lo consigo.
Assim, o "cebolão" permanecia respeitosamente dependurado num preguinho da parede da cozinha, colocado em destaque e com orgulho acima da mesa.
Só meu tio mais velho é quem, todo dia ao chegar da fábrica, tinha permissão de dar corda na preciosidade.
Porém, em determinada oportunidade o relógio sumiu!
Imediatamente a vó da Rosinha – era assim que eu a chamava, mas a explicação do apelido fica para outra oportunidade – reuniu sua prole e indagou quem era o responsável pela grave e desagradável ocorrência, uma vez que permanecendo tal situação, esta poderia até acarretar uma possível desarmonia entre os irmãos.
Depois de longo silêncio e após alguns entreolhares veio a resposta:
- Foi o Saci!
- ...?
Mesmo um tanto incrédulos, todos resolveram aceitar a alegada explicação, partindo imediatamente para a busca do objeto desaparecido e já davam início quando alguém lembrou:
- Esperem! Estando o relógio com o "coisa-ruim" é mais fácil recuperá-lo prendendo o diabinho, quando ele surgir num redemoinho.
Explico!
Reza a lenda que é o Saci quem provoca o pé-de-vento que se move em círculos, tendo por costume esconder-se ali dentro e basta jogar uma peneira no "olho" do tufão para capturá-lo.
Depois é só colocá-lo preso dentro de uma garrafa, tirar o seu capuz e trocar pelo objeto escondido.
Prosseguindo, após longa e paciente espera, numa quente tarde de verão, repentinamente, forma-se na frente da casa o esperado "ventão" e rapidamente uma peneira é lançada.
Momentos depois, diante da expectativa geral, fomos lá levantar o crivo, a joeira, para ver o resultado da singular e bizarra caçada, mesmo ante a poeirada que, teimosamente, pairava no ar.
- ...?
- Pegou? Perguntei curioso.
- Cadê o "bichinho"? Inquiriu outro, afoito.
- Aqui debaixo parece que não tem nada!
- Nada?
- É, nem Saci, nem relógio!
Nesse momento ouvimos uns gritos do meu tio caçula, vindos lá da cozinha e nos abalamos para lá.
- Corram, venham depressa, conseguimos!
- ...?
- Vejam todos, a captura deu certo?
Nem bem entrei, antecipando-me aos demais perguntei:
- Você pegou o Saci, tio?
Ao que ele respondeu:
- O Saci não, mas ele deve ter ficado com medo de nós, olhem ali, reapareceu, olha o relógio no prego, o Saci devolveu!
- ...?
- ...?
- ...?
- ...?
- ...?
- ...?
Perplexos, olhamos para onde ele apontava, para o lugar do relógio... E NÃO É QUE ESTAVA MESMO LÁ?
- Verdade verdadeira!
Em tempo.
Mesmo não marcando mais as horas, o velho relógio do meu avô está agora comigo, resguardado e protegido da ação de todo e qualquer Saci.


E não é que estava mesmo lá? - Wagner Mekaru

O tema-título desta semana proposto pelo Lapastina me fez pensar em escrever um conto. A princípio entendi que o título "engessava" as idéias e a linha de raciocínio teria que partir para um conto.
Ao ser proposto o tema não cabem muitas perguntas, até porque esse questionamento pode "contaminar" a criação do texto.
Pois bem, repensando o processo, percebi que não havia motivo para sair da linha que meus textos estão sendo elaborados.
Quero falar na verdade obre momentos difíceis ou por dificuldades que passamos na vida e sobre como amizade, compaixão e respeito são importantes nessas horas.
A idéia de falar sobre isso me veio após conversar com uma amiga, a Tatiana, onde ela me pareceu um pouco triste e talvez desiludida, se auto questionando sobre sua vida.
Eu que não tenho vivido um momento UP também me vi em busca de algumas respostas e por coincidência (será?), peguei o Livro dos Espíritos de Kardec para ler. Confesso que apesar de não seguir essa doutrina, admito que muito das idéias contidas nela fazem sentido para mim, ajudando-me a ver algumas "pedras" sob outra perspectiva.
O Espiritismo fala muito sobre Provas e Expiações, onde esta existência se configuraria como mais uma oportunidade para a evolução do espírito, sendo que esta se daria a partir da prática do bem, entendendo-se bem como a prática de ações pautadas na lei de Deus.
Se a prática dessas ações se dá entre pessoas, penso que as pessoas que nos auxiliam em momentos ruins tem um valor inestimável, uma vez que não nos deixam cair num abismo e procuram nos incentivar a continuar a caminhar, já que sabem que a estrada é longa.
Por vezes essas pessoas também estão por baixo, e neste momento outros vem em seu auxílio e as ajudam na caminhada.
Todo caminhar se faz "sozinho", com os próprios pés, mas saber que na estrada outras pessoas partilham desse caminhar conforta e ajuda a seguir em frente.
Dizem também que em momentos de desespero deve se pedir a Deus, contudo é importante ter os pés no chão no sentido de que nada cairá do Céu se não houver trabalho em cima disso, afinal poucas coisas na vida vem sem esforço e quando vem não costumamos reconhecê-las.
Bom, o fato é que não estamos sozinhos nessa grande viagem, temos companhia desde que nascemos até o momento de irmos embora, claro que alguns passam por nossa vida com um menor nível de influência e trazem um pouco de areia, outros um pouco de pedra, poucos porém nos ajudam a carregar os tijolos, mas este sempre estão lá, como o cachorro que guarda o sono do pedinte que mora debaixo da ponte, que não tem onde cair morto, mas tem porém a companhia do Totó que pede muito pouco em troca.
Aliás, cabe aqui um parênteses para falar desses animais que nos acompanham até mesmo quando estamos por baixo.
Lembro da Eliane que trabalhou comigo relatar de um dia em que estava triste, sentada na quintal da casa dela e a cadela dela sentou-se do lado e passou a lambê-la quase que consolando-a, uma pintura bonita para ser "eternizada na parede da casa dela."
Enfim, quero concluir dizendo que por mais que o tempo seja de nuvens negras e que a bonança esteja demorando a chegar, sempre haverá alguém te esperando com um guarda-chuva, capa ou até mesmo uma toalha, porque muitas vezes é necessário se molhar.
Está duvidando? Olha que no fim você vai me dizer: e não é que estava mesmo lá?