Viver em condomínio
Como São Paulo simplesmente tem mais gente que espaço para
toda essa gente, a proliferação de prédios de apartamentos, condomínios e outros monstros verticalizados é inevitável. Apenas esqueceram de incluir no currículo escolar a matéria cidadania e convivência - se bem que em certos casos deveria ser incluído no calendário de vacinas.
O ser humano, dizem, foi feito para viver em grupo, bando, turma. Particularmente, eu acho que a grande maioria dessa espécie deve é ser isolada pois não tem condições de conviver com um mínimo de decência com outro da mesma raça.
Daí chega uma construtora e despeja um caminhão de dinheiro na mão de um cara, compra a sua casa e ele, juntamente com a família, vai para um apartamento. É nesse momento que acaba o sossego: dele e dos demais incautos que foram, inadvertidamente, morar no mesmo prédio.
E não adianta escolher. Se o prédio é pequeno, com poucos apartamentos as manias são grandes, os problemas são grandes, as dificuldades são grandes. Se o prédio é grande, com muitos apartamentos, as manias, problemas e dificuldades são... exatamente as mesmas.
No meu prédio - só para contar um caso, pois tem assunto para um mês e meio de crônicas - acontecem umas coisas que, no mínimo, são consideradas, esquisitas.
E as desculpas são, sempre, o bem comum. Engraçado como o bem comum sempre penaliza, restringe, limita... não deveria ser o contrário?
Um dos assuntos mais polêmicos é a realização de serviços nos apartamentos. Pelo estatuto, que algum dia algum completo imbecil escreveu, está estabelecido que a realização de qualquer tipo de serviço nas dependências internas dos apartamentos deve ser realizada de segunda à sexta, das 9h às 17h, sendo vedada a entrada de prestadores de serviços fora desse horário e em finais de semana e feriados.
A desculpa.... ops, razão é, claro, o bem comum, o silêncio, o não atrapalhar.
Pois bem. O engraçado é que, tirando a inútil da síndica daquele condomínio, todos os restantes dos mortais (não, antes que perguntem, sindica não é mortal... a diaba está no cargo mesmo antes do prédio existir e ninguém a tira de lá, portanto, síndico é imortal) trabalham - para pagar a taxa de condomínio - minimamente de segunda à sexta, das 9h ás 17h.
Desta forma, já que também os serviços não podem ser realizados sem a presença do responsável pelo apartamento, você escolhe ou pede demissão aí do teu emprego ou o serviço não pode ser realizado.
Até concordo que se o serviço em questão for provocar barulho ou alterar a rotina do prédio (como fechar a água, por exemplo) não é justo ficar ligando furadeira às onze da noite. Mas e o técnico do computador, que foi instalar um novo programa? pq é que ele não pôde entrar de noite?
- Seu Asdisbardo, bánoite.
- Boa noite, Carmelo.
- Tá quimbácho um moço pra mexê nu seu computadô.... cumé seu nome mêmo?..... O Isfrávio.
- O Luís Flávio, Carmelo. Pode deixar ele subir.
- Podi não senhor.
- Quê?
- Posso dexá ele subi num senhor.
- Como não, Carmelo?
- É quisabi, seu Asdirbardo, já são maisi de oitcho hora e di noite num podi subi istranho nu prédio.
- Não é estranho, Carmelo, é o Luis Flávio, trabalha comigo na empresa, é técnico de computador. Tô falando, pode deixar ele subir.
- Posso não seu Asbirbardo, é as regra. Despois das cinco, nada de subi istranho pra fazê serviço nu prédio. É as regra.
- Tá bom, Carmelo. Faz um favor pra mim. Pergunta pro Luis Flávio se ele está com celular?
- O moço tá di celulá?.... Disse qui tá.
- OK, Carmelo. Obrigado.
Fico até imaginando a conversa que o porteiro teve com o técnico no meio tempo em que fui até a minha agenda, peguei o número do celular dele e liguei.
Daí pedi que ele desse dois passos para trás e voltasse ao prédio, se identificando como Luis Flávio, meu primo.
- Seu Asdisbardo, bánoite.
- Boa noite, Carmelo.
- Tá quimbácho um moço seu primo.... cumé seu nome mêmo?..... O Isfrávio.
- O Luís Flávio, Carmelo. Pode deixar ele subir.
- Brigado, tá subindo.
Vai entender. É como diz o Carmelo: é as regra.